sábado, 16 de maio de 2015

Uma sinfonia de loucura e fúria



 Mad Max - Estrada da Fúria.

Não, não é o filme da sua vida. Não, não é o filme do ano. Não, não deve ser uma bilheteria assustadora e que vai estabelecer novamente a franquia e gerar mais e mais filmes de Max Rockatansky. Mas como esse filme empolga quem vai ao cinema somente para se divertir!!!! Como esse filme entrega a ação e a violência, a loucura e a distopia de forma a você não sentir o tempo passar. Como o filme juntou uma série de elementos como fotografia e trilha sonora para criar um espetáculo a ser degustado, talvez até mais de uma vez.

A história é básica e rala, é um road movie simples em seu roteiro com algumas particularidades, por isso digo que não há uma história geral que tenha o sustentáculo que a a leve além do filme de ação. Mas ela tem alguma sutilezas que, em um filme com um roteiro mais bem preparado, seria algo ainda mais espetacular. Falta um pouco desenvolver os personagens e dar a eles uma vida que nos faça realmente se importar mais com os clímax do filme. Personagens entram e saem da tela com funcionalidade ou não, mas não empolgam realmente com suas partidas e chegadas. Empolga o espetáculo com que isso acontece e não porque se desenvolveu realmente alguma conexão do público com os personagens.

No fim, como conversava com meu amigo Marcelo Nascimento, produtor cultural e documentarista, é um filme que, no fim das contas, apesar de tudo que mostra, não é violento pela ausência de conexões com os personagens. Seja pelos pouco diálogos, seja porque há pouca clareza em relação às sua motivações: elas existem, mas não são tão exploradas dramaticamente para que você realmente se importe. Por exemplo, Bastardos Inglórios de Quentin Tarantino tem momentos de violência que são extremados pela conexão construída pela construção dos personagens; afinal, já no começo o Coronel Landa está na fazenda do Sr. Lapadite e é extremamente educado e polido, fala com desenvoltura e simpatia e, ainda assim, é assustador pelo próprio diálogo. Você que ali está um monstro. Em outra sequencia, na morte da atriz que leva os Bastardos ao evento nazista, a cena do estrangulamento choca. Em ambos os casos você sente a violência pois o laço com os personagens foi criado. É do que carece Mad Max.

Não que, para o público médio, isso seja necessariamente um problema, pelo contrário. Tal formula de simplicidade pode cair no gosto do público menos afeito à crítica do cinema como um pudim de padaria que mata a vontade de doce da mesma forma que uma panna cotta.

Ainda sim, existem aquelas sutilezas no roteiro que podemos explorar.

A relação de Max e Furiosa (Charlize Theron) é pouco desenvolvida, mas ainda sim, funcional. Eles formam uma dupla que interage rapidamente e instintivamente se acertam nas ações, como casais que se conhecem há muitos anos conseguem, na linguagem do olhar, no dizer sem dizer. Podemos até mesmo chamar isso de linguagem do guerreiro e não se pode deixar de ver um "quê" de Sr. e Sra. Smith, sem o tom de comédia da referência.

Alguns acusam o filme de ser feminista, de colocar as mulheres no poder. No entanto o que se pode perceber é um filme que mostra igualdade e não a supremacia feminina. Analisando o quadro como um todo, voltamos ao status de Era das Trevas, de uma sociedade patriarcal que oprime as mulheres e as torna objetos nessa sociedade criada na cidadela, sendo literalmente usadas de muitas formas. Mas os estrangeiros capturados também se tornam objetos nessa sociedade. Tudo é algo que acaba por servir ao propósito do status quo, com cada gênero desempenhando um papel. Num mundo que tudo é escasso, ter comida e água, recursos e mulheres saudáveis que possam parir sua prole, controle passa pela tarefa de juntar tudo isso. Controlar recursos, como em qualquer bom jogo de estratégia.

Numa certa altura, se questiona que a guerra que destruiu o mundo foi feita pelos homens. O que, historicamente, sempre foi uma realidade: a guerra é obra dos homens e às mulheres sempre restou ter a fortaleza de manter as coisas em casa e fazer o rescaldo. A mulher sempre teve que ser a maior sobrevivente das guerras travadas pelos homens. Nesse contexto, Furiosa é a mulher que acaba por se igualar aos homens como guerreira e protetora das demais que, no fim, buscam sobreviver a esse novo velho mundo.

Talvez Mad Max tenha se tornado coadjuvantemente de seu próprio filme. Ou talvez apenas tenha chegado a um acordo de igualdade.

Fora a breve particularidade da história simples com sutilezas aqui e ali, no entanto, o filme é espetacular pela grandiosidade da fotografia, com grandes planos abertos e com cenas cujo fundo faz tanto sentido quanto as perseguições. Aí, sim, as perseguições e a destruição na Estrada da Fúria fazem sentido e se conectam, fazendo com que você se prenda na cadeira e queira que tudo pudesse ser acompanhado por uma GoPro.

Para mim, que amo videogames pela sua arte, que gosto de assistir os walkthroughs completos mais do que jogar, o filme tem esse apelo de parecer um grande videogame de ação que entrega o que promete: adrenalina. A distopia de fundo proporciona a visão de um arremedo de civilização recriando um ambiente que lembra muito a idade média. O fanatismo dos kamicrazys de Immortan Joe e nítida psicopatia de seus aliados da Cidade Gasolina e da Fazenda da Bala criam um pastiche de figuras pós-apocalípticas bizarras que nada devem a Mad Max 2. Na verdade, enquanto universo constituído, Mad Max 2 e 3 só contribuem para o visual do novo, dando um certo gosto real de continuidade. E como não lembrar de Mad Max 2?

A trilha sonora de percussão e fortes guitarras, sem uma música com vozes tem uma batida que acompanha a ação de maneira tão complete que traz, novamente a sensação do videogame. Não de qualquer game, mas de game bom. Isso faz que com que a trilha acabe por ser atemporal, o que pode deixar o filme menos datado no decorrer dos anos, ao contrário do que aconteceu com Mad Max 3 - Além da Cúpula do Trovão e sua trilha da Tina Turner. Ainda que o primeiro Mad Max seja mais difícil de passar em qualquer teste do tempo.

Essa trilha bruta e as cenas de ação com fotografia muito bem feita e um 3D sutil que não prejudica a experiência (lembre dos 3D do Michael Bay que tem tantas explosões e sujeira na tela que você perde a noção do que acontece, fica sem poder entender a imagem) fazem com que Mad Max seja uma experiência cinematográfica completa, como na época em que os sons do games eram planejados para bater junto com o coração do jogador e depois fazer com  que o coração do jogador batesse junto com o game.




Então, veja Mad Max - Estrada da Fúria sem preconceitos. Não vá ao cinema esperando nada. E se divirta. Porque é divertido.





Tïtulo Original: Mad Max Road Fury
Lançamento 14 de maio de 2015 (2h0min)
Dirigido por George Miller
Com Tom Hardy, Charlize Theron, Zoë Kravitz
Gênero Ação , Ficção científica
Nacionalidade Austrália , EUA