domingo, 31 de agosto de 2014

Lucy





Já avisei antes, e aviso novamente: se não viu o filme e não quer spoilers, NÃO LEIA!!!!
Ah... e se você ainda não viu 2001... ah... faz favor... o filme é 1969 é clássico... não reclame de eu contar dele.

Agora que já fiz minha parte avisando...

Acabo de sair da sessão do novo filme do Luc Besson, Lucy, (França, 2014, 89 minutos) e duas coisas precisam ser ditas:

1 - É divertido. Foi feito pra isso. Esqueça a pseudo-ciência e os furos do roteiro e os questionamentos. Eu não vou falar dos defeitos do filme hoje. Apenas assista e se divirta que o filme funciona.
2 - Se você leu bastante e viu muitos filmes do gênero, vai perceber praticamente todas as referências que formam a colagem do filme. Não, a ideia não é original. Mas pelo resultado, quem liga?

Bom, pela sinopse primeiro:

"Quando a inocente jovem Lucy (Scarlett Johansson) aceita transportar drogas dentro do seu estômago, ela não conhece muito bem os riscos que corre. Por acaso, ela acaba absorvendo as drogas, e um efeito inesperado acontece: Lucy ganha poderes sobre-humanos, incluindo a telecinesia, a ausência de dor e a capacidade de adquirir conhecimento instantaneamente."

Explicando: a periguete Lucy, estadunidense residente em Taywan (nem pergunte pq ela está lá...), é meio que obrigada pelo peguete dela a levar uma valise para um bam bam bam de alguma empresa. Mas já no hall do hotel o cara é baleado e ela é lavada para o apartamento e obrigada a ser mula para transportar um droga sintética experimental. Aí já sabemos que o cara é um traficante. Dã. Quando está em trânsito para embarcar no avião, é espancada e a droga colocada cirurgicamente em seu corpo vasa e vai para a corrente sanguínea, o que leva a uma aceleração de seu metabolismo e da atividade cerebral. Paralelo a isso, a cereja do filme: Morgan Freeman com um doutor pesquisador/cientista fazendo uma apresentação científica sobre a capacidade cerebral humana, nosso uso de apenas 10% e o "e se..." pudêssemos usar 20%, 30%, 40% de nosso cérebro? 

Outra grande sacada:o filme todo vai apresentando cenas do tipo Vida Selvagem, para dar o quê de evolução, intercaladas com as cenas principais como apoio narrativo, como na sequencia em que Lucy é pega pelos capangas do Sr. Jang e acompanhada das cenas de um guepardo capturando um antílope. 

Do momento da assimilação da droga para diante, temos sequencias de ação somente para mostrar que o próximo estágio da evolução pode ser cruel com os humanos normais. 

Aí temos o paralelo que filmes e quadrinhos dos X-Men tanto mostram: o homo sapiens ameaçado pelo homo superior, da mesma forma que o homo sapiens ameaçou e eliminou os homo neanderthalensis. A evolução dando seu passo. O novo pronto pra substituir o velho. O acesso de Lucy à rede de telecom e o discurso de Freeman sobre o momento em que começamos a nos mover e comunicar dá um paralelo com o seriado, infelizmente cancelado, Intelligence, exibido no Canal AXN, do homem ligado à rede, o ser humano conectado à grade, a fusão de homem e máquina. 

Daí por diante vemos nossa Lucy passando pelos estágios de Jean Grey à Fênix, com traços de Mística e um pouco de Forge. E você começa a pensar em como será quando ela chegar aos 100% do uso do cérebro. E pensa no Dr. Manhattan. Será que ela vai ficar azul? A droga sintética usada é azul... 

Telecinese, telepatia, tecnopatia, controle de campo magnético e campos elétricos... se bem que ao lembramos que as quatro forças primordiais da natureza são gravidade, eletricidade e as duas nucleares, fraca e forte, controlar qualquer desses aspectos já gerou heróis e vilões fenomenais. Magneto controla apenas um aspecto da eletrodinâmica. Graviton controla toda a gravidade. Dr Manhattan controla todos. 
Magneto, o mestre do magnetismo
Graviton

Dr. Manhattan
Cinematograficamente, o filme bebe, nitidamente, de 2001: Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space Odissey, EUA, 968, 160 minutos). Mais no livro que no filme, mas bebe. A transcendência da consciência humana ao dar o próximo passo evolucionário é descrita no livro de forma tão clara e aproveitada em uma sequência de volta no tempo, passando eras, até Lucy se encontrar com sua xará, a Lucy, um dos fósseis hominídeos mais famosos por serem dos primeiros a confirmadamente andarem eretos. 
2001: O monólito e os primatas 

O encontro das duas Lucys é quase o encontro dos hominídeos de 2001 com o monólito negro, mas remonta também ao afresco da Capela Sistina de Michelangelo, da Criação de Adão,  de Deus e Adão a tocar as pontas dos dedos, momento de encontro do divino com o mundano, de criador e criatura, e ficamos imaginando se a nossa Lucy moderna ira intervir com a Lucy de 3 milhões de anos da mesma forma que o monólito negro interfere com os hominídeos de 2001. Mas a viagem prossegue (e ver Lucy voltando o tempo como quem usa um Kinect é até legal) e o tempo vai voltando, o relevo mudando, chegamos aos dinossauros e depois mais para trás, para fase antes do resfriamento da terra, antes da colisão de planetas que os cientistas dizem nos formou e criou nossa Lua. E vamos voltando até um momento que é um Big Bang ao inverso e um momento onde há somente matéria escura. E curiosamente tem a mesma aparência da matéria escura tratada no novo longa do Capitão Harlock. 

A Criação de Adão

Nesse momento já caminhamos para o final e já percebemos um paralelo com O Passageiro do Futuro (The Lawnmower Man, EUA, 1992, 107 minutos), outro filme que tenta passar a transcendência do humano, mas dessa vez para a máquina, não para um outro nível. No final, Lucy absorver todos os computadores e eletrônicos da sala da Universidade onde está tentando passar para os cientistas seu conhecimento adquirido e cria um novo e assombroso computador, mais uma vez preto e brilhante, formado de obeliscos piramidais, que deixam ainda mais claro seu parentesco com o monólito negro de 2001, e logo a seguir ela mesma se tornar matéria negra e brilhante, ela mesma se tornar o monólito e, para no final, estender um pendrive negro, pontilhado de estrelas, que conteria tudo o que ela aprendeu. Sim, temos um pen drive cósmico, com um fundo de aparência muito similar ao da entidade cósmica Eternidade, usada em várias histórias da Marvel. E assim, a metáfora do conhecimento repassado imita o repasse do conhecimento do monólito de 2001 para os primatas.

Eternidade

Infelizmente, o final meio que decepciona, pois Lucy desaparece e, quando o policial francês pergunta onde ela está, recebe uma mensagem de texto no celular: eu estou em todo lugar. 

Mais passageiro do futuro do que isso, só se todos os telefones do mundo tocassem ao mesmo tempo.

Mas ela transcende. No livro 2001: Uma Odisseia no Espaço, o momento de transcendência de David Bowman o eleva a uma consciência universal superior de tal forma que ele volta a terra e ao ser recebido, ainda criança cósmica, com mísseis nucleares que para ele nada representam. E o questionamento. 

"Ali, à sua frente, como um brinquedo reluzente ao quyal nenhuma Criança-Estrela podeira resistir, flutuava o planeta Terra, com todos os seus povos.
Ele havia voltado no tempo. Lá embaixo, naquele globo super-povoado, os alarmes estariam piscando nas telas de radar, os grande telescópios de rastreamento estariam vasculhando os céus - e a história como os homens a conheciam chegaria ao fim. 
Mil e quinhentos quilômetros abaixo, ele se deu conta de que uma carga de morte havia acordado e estava se movendo lentamente em sua órbita. As fracas energias que ela continha não eram ameaça possível para ele, mas ele preferia um céu mais limpo. Fez valer a sua vontade, e os megatons em órbita desabrocharam numa detonação silenciosa que trouxe uma aurora breve e falsa para metade do globo adormecido. 
Então esperou, organizando seus pensamentos e meditando sobre seus poderes ainda não testados. Pois, embora fosse senhor do mundo, ele ainda não sabia ao certo o que fazer em seguida.
Mas pensaria em algo."
- 2001: Uma odisseia no Espaço, Cap. 47 - Criança-Estrela, de Arthur C. Clarke.

O filme acaba sem sabermos o que Lucy fará, agora transcendida. Agora primeira de uma nova espécie, uma consciência que foi além da matéria. O David Bowman de Clarke voltou para ser senhor do mundo. Lucy, deixa um pen drive cósmico com conhecimento. 

Antes de jogar pedras em Clarke, lembre que ele foi uma das grandes mentes com século XX, mas ainda era uma mente do século XX. O homem que criou o conceito de órbita geoestacionária que possibilita a você, dono de um celular ou tablet, de um notebook ou desktop, falar com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo, ainda via o mundo como os olhos do bipolarismo da Guerra Fria. Mas isso não desmerece sua obra. Mesmo assim, o homem era otimista. 


Lucy é ótimo para consumir uma quantidade enorme de pipoca e refrigerante enquanto você o assiste. Não é pra ser levado a sério. Mas que deixa alguma coisa pra se pensar, deixa. 

Para saber mais das 4 forças fundamentais de acordo com a física, clique aí... 

Para saber mais sobre a Lucy fóssil, clique aí...




domingo, 16 de fevereiro de 2014

G.I.Joe - 50 Anos


Quem tem mais ou menos a minha idade (sou da excelente safra de 1975), viveu uma época estranha chamada Anos 80. Foi uma época em que ainda sentíamos um pouco das loucuras dos anos 70 em vários movimentos culturais e uma época que começamos a absorver mais e mais da cultura dos EUA por conta de nosso alinhamento político, pois os governos militares ainda tinham tudo contra os comunistas da URSS.

Não é de estranhar que 1977 a Estrela S.A., nossa mais tradicional fabricante de brinquedos, lançasse o Falcon. 

O Falcon era um boneco diferente de tudo que já tínhamos visto aqui: era soldado e aventureiro; tinha uma mão de borracha que agarrava e segura seus acessórios e armas; tinha kits de aventuras muito legais; tinha um helicóptero, um jipe, um jipe com canhão, um tanque...; e tinha o Torak. Não me pergunte a ordem e a sequencia de lançamento dessas coisas no Brasil. Eu posso dizer tudo isso pra você hoje. Mas não é isso que importa. Importa o quanto eu, criança de 5, 6 anos, amei o primeiro Falcon que eu ganhei, o piloto sem barba, com macacão azul e o helicóptero amarelo. Depois o Torak. Depois o Falcon de macacão vermelho e escudo prata. Depois o de macacão branco com listras em arco-íris nos lados e máscara azul metálica.

Tinha o problema de que as mãos não duravam muito, os dedos caiam. Coisa de tentar sempre colocar o dedo do boneco no gatilho. As articulações se acabavam também. Mas ele tinha olhos de águia!!!! Eles viravam de um lado pro outro!!! Que mais eu poderia querer?

E com o tempo todos os meus Falcons e Torak precisaram ser levados para o Hospital das Bonecas na Rua da Penha. E minha dor: nunca ficavam prontos e minha mãe, depois de um tempo, nunca mais foi buscar. E eu os perdi. Devem ter sido desviados e perdidos, vendidos para outro moleque. Podem até estar na coleção de alguém. Vai saber. 

Aí, um dia, vi uma propaganda na televisão de uma coisa nova da Estrela. Uns soldadinhos que pareciam articulados e que lembravam muito o Falcon, inclusive nas caras barbadas no logo. Mas eu não saia de casa, era criança demais para sair sem minha mãe e meu pai. E até hoje eu lembro que era fim de mês, era sábado, estava chovendo e eu estava vendo aquele filme do Jerry Lewis que ele está de mágico na Guerra da Coréia e meu pai chegou da rua e nem tirou o chapéu e o casaco, foi no quarto e jogou pra mim na cama, sem papel de presente nem nada, o Arma Pesada dos Comandos em Ação, codinome Gladion, e a caixa com o Lança-Mísseis. Fiquei parado um tempo olhando, tentando assimilar o acontecido. Até que meu pai falou "Não gostou eu levo de volta." e imediatamente eu meti as unhas na embalagem e tirei o boneco. Evidentemente, foi um dia inesquecível. Eu só fui descobrir que o braço do boneco abria para os lados além do movimento de girar para frente e para trás à noite. Foi um susto, eu pensei que tinha quebrado.

O primeiro Comandos em Ação a
gente nunca esquece.
E eu nunca mais parei de comprar Comandos em Ação. 

Veio o desenho que passava na Globo, primeiro aos domingos, depois durante a semana no Show da Xuxa. Nunca gostei da Xuxa, mas dos desenhos que passavam lá eu gostava.

Interessante que um dia eu descobri a internet, lá por 1996, 97... e descobri que eu não era o único que curtia essas doideiras. Conheci outros colecionadores, hoje muitos deles amigos já de longa data, conheci vendedores e descobri que aqui no Brasil não tinham sido lançados nem metade, na verdade, nem um terço, dos itens que saíram lá fora, nos EUA. E que o nome era G.I. Joe, o mesmo que eles tinham no desenho e nos poucos quadrinhos que saíram por aqui.

Aí eu descobri que eu não precisava fazer custom de dreadnoks, que tinha pra vender. Mas não adiantou nada. Customizo até hoje.

Eu fui reunindo informação com os anos, fontes, e até planejei fazer um mestrado de marketing em G.I.Joe. Quando apresentei a ideia para um professor ele me disse que não era marketing, era sociologia, pois o produto não mudou a sociedade e sim sofreu modificações para atender ao mercado a que se destinava quando lançado e quando modificado. E depois, pensando nisso, é verdade. 

O G.I. Joe foi lançado na Toy Fair de 1964, e no mercado em dezembro do mesmo ano,depois de passar por um longo ano de 1963 sendo projetado para atender uma demanda latente de mercado: em 1959 a Mattel havia lançado a Barbie. A Barbie foi um sucesso imediato, apresentando para as meninas um modelo feminino a ser seguido, da mulher moderna. Você comprava a boneca básica e podia comprar os kits Barbie que quisesse para montar sua casa da Barbie e etc. Não mudou muito o modelo de venda da Barbie e seus acessórios para os dias de hoje.

Mas para os meninos não havia nada que se comparasse. Então o ex-sargento Don Levine, veterano da Coréia, então chefe de pesquisa e desenvolvimento da Hasbro (então somente Hasselfeld Brothers) pensou  numa maneira de homenagear os veteranos de guerra dos EUA e atender a essa demanda. E a solução foi criar um boneco soldado. E esse boneco teria um modelo de venda semelhante ao da Barbie: seriam vendidas figuras básicas e kits de acessórios, uniformes, armas e equipamentos vendidos separadamente, para que os meninos pudessem montar suas tropas e esquadrões como lhes fosse melhor. Aí tivemos o Action Soldier, o Action Sailor, o Action Marine e o Action Pilot. Um para cada braço armado dos EUA.

O grande problema era que a palavra "doll" em inglês é usada indiscriminadamente para bonecas e bonecos. E nos anos 60 jamais um menino macho iria brincar de boneca, mesmo que ela usasse farda e tivesse um fuzil e uma faca de trincheira. Então a Hasbro lançou o termo Action Figure, Figura de Ação. Meninas brincam com dolls; meninos brincam com Action Figures.

Essa foi só a primeira grande sacada. Porque a segunda foi criar as figuras totalmente articuladas, com base naquelas modelos articulados de madeira que artistas usam. As Barbies não tem articulações, os G.I. Joes tem.

A segunda grande sacada é o fato de que a Hasbro, mesmo tendo criado o modelo de articulações, não podia registrar o modelo de corpo humano. Então, o que poderia distinguir o AF para registro no mercado? Qual poderia ser a característica? O rosto dos Joes foi criado por um artista que estudou os traços de 20 heróis de guerra dos EUA, da Segunda Guerra e da Guerra da Coréia. No fim, muita gente acha parecido com John Kennedy, mas foi coincidência. O rosto em si também não podia ser registrado, então criou-se a cicatriz. Essa é, de fato e de lei, a marca registrada do G.I. Joe: a cicatriz no lado direito do rosto. 

Usando seus contatos com o US Army, Don Levine conseguiu com o Batalhão da Guarda Nacional em Queens os blue prints do equipamento padrão da infantaria e posteriormente das outras Forças de Defesa dos EUA. Com isso, puderam produzir de forma fiel em escala todas as armas e equipamentos que acompanhavam as figuras e seus kits. Podemos até dizer que o G.I. Joe teve apoio das Forças Armadas dos EUA desde o começo. E, claro. G.I. Joe vem do nome dado ao soldado estadunidense na Segunda Guerra: G.I. - General Issue, Item Geral, era que vinha escrito nas caixas de suprimentos destinadas a suprir a soldadesca; Joe é Zé. G.I.Joe seria o nosso Bucha de Canhão. 

Inicialmente vendido por US$ 4,00 a unidade, foi um sucesso imediato o nosso bucha de canhão. 

The Mercury Astronaut
Em seu auge, até mesmo um astronauta foi lançado com um modelo da capsula que orbitou a Terra, acompanhado de um disco de vinil com discurso do primeiro astronauta estadunidense que orbitou nosso planeta. Esse homem foi John Glenn.

As vendas foram ótimas até as coisas ficarem ruins no Vietnã. Depois da ofensiva do Tet em 68, a popularidade da guerra, que já era ruim, foi pro ralo. A imprensa mostrava mais e mais atrocidades cometidas por ambos os lados e a imagem do General Loan executando um prisioneiro vietcongue diante das câmeras não ajudaram. Os estadunidenses queriam seus filhos, maridos, irmãos e pais de volta pra casa e ninguém queria incentivar meninos a ir para o Exército. Era a época dos movimentos por direitos civis e tantos outras transformações sociais. As vendas caíram e caíram. E a Hasbro mudou o G.I. Joe de soldado para aventureiro. Surgiram os Action Teams. O Land Aventurer, o Air Adventurer, o Sea Adventurer e Adventurer Commander. Tivemos até uma linha "Espacial" para tentar alavancar as vendas, mas também não colou.

É, em parte, essa linha que a Estrela traria para o Brasil. A aventura no fundo mar, a caçada ao Yeti, o tesouro do faraó, aventura na selva. Foi o que garantiu uma sobrevida ao brinquedo, até vir a crise do petróleo, quando os xeques do petróleo resolveram fechar as torneiras e cobrar mais caro. Lembre que o plástico vem do petróleo. E o custo de produção aumentou e com isso o preço do brinquedo. As vendas voltaram a cair muito. E a Hasbro acabou por fazer o que ela evitou por anos: licenciou o brinquedo ao redor do mundo. Só tivemos Falcon no Brasil por culpa das crises interna dos EUA por conta das mudanças sociais e por causa da crise do petróleo dos anos 70. 

E a versão que chegou aqui nem foi a original da Hasbro, foi a licenciada na Europa pela Palitoy. 

A Hasbro mesmo parou de produzir por um tempo os G.I. Joes em sua escala original de 12" (12 poelgadas) ou 1/6 ou 1:6 como alguns preferem. Cerca de 30cm. As mudanças econômicas nos EUA obrigaram a empresa. Mas o maior sucesso deles nunca foi esquecido e com o tempo, foi pensado um sem número de planos para relançar.

Aí aconteceu Star Wars. 

A coleção inicial de Star Wars em 1977, da Kenner`s
Vamos deixar de lado o fato de o lançamento de Star Wars em 1977 ter colocado a ficção científica além dos filmes B dos anos 50 e 60 e que foi um estouro de bilheteria. Vamos pensar no que isso significou para o mercado. George Lucas, o diretor e escritor da brincadeira, foi o primeiro a manter consigo os direitos de merchandising da obra. A Fox podia ficar com os lucros da distribuição do filme. Mas nosso amigo George era dono da marca. E lançou de tudo que pode com a marca. Para a Fox o lucro era do filme. Era o que os executivos de estúdio enxergavam. Lucas viu tudo que podia gerar lucro por fora. Lançou lancheiras, material escolar, decoração de festa, camisetas, bonés e toda sorte de tranqueiras de Star Wars que faz um colecionador fã aficionado delirar. E lançou um linha de brinquedos que incluía AFs numa escala menor, a 1:18, ou 3" 3/4 ou apenas 10,5cm.

Evidentemente, pelo tamanho, eram mais baratas que figuras maiores. E venderam horrores. Encheram os bolsos do Lucas e os cofres da Kenner's, a empresa fabricante licenciada.

Com o sucesso da linha de brinquedos nessa escala, a Hasbro viu como trazer G.I. Joe de volta ao mercado. 

Havia ainda a questão que as casas encolheram. Ter todos aqueles G.I.Joes de 12" ocupava um espaço lascado que a classe média dos EUA não podia mais dispor. Mas com figuras menores, isso poderia ser resolvido.

The Intruder - O primeiro o único
antagonista do Action Team
G.I. Joe nro 1
A Hasbro contatou a Marvel para uma série em quadrinhos, escolheram o Larry Hama (veterano do Vietnã) para escrever, botaram o Herb Trimpe para desenhar. Larry Hama criou um universo para os soldados, lhes deu identidades, nomes, codinomes, um propósito, uma linha de ação, algo que o G.I.Joe nunca teve. O único inimigo que os G.I.Joe de 12" tiveram foram os Aliens Trogloditas conhecidos como Invasores (The Intruders, no original), quando saiu aquela linha "Espacial/Futurista". Mesmo tendo a URSS como inimiga ideológica, nos EUA nunca foram lançados soldados inimigos para combater o G.I. Joe. Agora, para os G.I. Joes de 1:18, haveria um inimigo: a Organização Cobra, que busca dominar o mundo através da violência e do terrorismo. O visual era uma mescla dos soldados nazistas e tinham armamento soviético, já que o AK-47 é o simbolo máximo do terrorismo e do antagonismo tão explicito do bipolarismo mundial da guerra fria.

E, claro, era interessante colocar alguém por trás de todos os atos terroristas do mundo, como se tudo tivesse um propósito mais escuso do que era noticiado. Era um mundo novo onde sequestros de avião e carros-bomba, homens-bomba, mulheres-bomba, cartas-bomba, pias-bomba estavam na televisão todos os dias. 

Em 1982 a Hasbro lança a coleção das figuras 1:18 do G.I.Joe, apoiadas por uma revista em quadrinhos e chamadas televisivas para a nova revista. A promessa e a ideia era que a coleção inteira pudesse ser comprada por menos de US$ 100,00. Tanto que a primeira coleção, com os primeiros personagens, tinha limitação no número de cores para baratear os custos de produção. O personagem mais icônico da série, o ninja commando Snake Eyes, é inteiro preto, sem pintura, para poder dar uma cor a mais para os outros.

O sucesso foi estrondoso. 

Se o G.I. Joe original de 12" era o The America's Moveble Fighting Man o G.I. Joe de 1:18 era o The Real American Hero. As embalagens traziam um filecard com informações do soldado, como nome, origem, especialidades militares. Era o máximo.

As chamadas televisivas para os quadrinhos fizeram tanto sucesso que geraram uma série animada entre 85 e 86 pela Sunbow e mais duas temporadas depois pela DIC. 

Para os EUA, que começavam a deixar de lado o fantasma da derrota política no Vietnã. A invasão da Ilha de Granada em outubro de 1983 consolida isso, por mais que tenha sido meio massacre, meio golpe publicitário das forças armadas dos EUA. 

Foi parte dessa coleção de 1982 que chegou ao Brasil em 1984. Foi o Rock'N Roll o Gladion, o Arma Pesada que eu ganhei em 1984, enquanto eu via um filme velho do Jerry Lewis. 

Com o tempo a coleção foi crescendo lá fora e um pouco aqui, onde os Comandos em Ação eram os Colecionadores de Aventura.

Muitos anos depois eu pude fazer uma segunda análise dos bonecos. Quando você olha para as figuras originais, o porte físico delas é normal, nada de excêntrico ou musculoso. São mais parecidos com os soldados que víamos nos filmes sobre o Vietnã, nada de super-homens. Eram soldados. Como o Hawk diz na primeira edição da revista, eles tinham a missão de alcançar o impossível e fazer isso parecer fácil. 

Sgt Slaughter - Um personagem real que virou G.I. Joe
Mas eram os anos 80. Vimos surgir o Rambo. Vimos Surgir o Schwarzzeneger. Commando. Comando para Matar. Logo, depois de 1986, as figuras começam a ficar "forçudas", tanto os Joes quanto os Cobras. Começam a ser cada vez mais supers dentro dos estereótipos do cinema e da televisão. O telecatch faz seus ídolos e até um deles vira personagem, o Sargento Slaughter. 

Em 1989, o mundo muda. Cai o muro de Berlim. Acaba a guerra fria. Ser soldado e enfrentar o mal deixa de ser interessante novamente. Em 1991, a União Soviética deixa de existir. Os inimigos mudaram.

As vendas começaram a cair. Em parte pelo mundo mudar e em parte porque o videogames começaram ser mais interessantes. E ainda haviam mais opções. Mais desenhos, mais figuras. O negócio não era explorado somente pela Hasbro. 

Novos desafios surgiram para os G.I. Joes e agora havia uma força anti-drogas. Criou-se uma linha para lidar com dinossauros. Surgiu uma Ninja Force. Os últimos estertores foram as coleções espaciais. A linha de soldados, com uniformes militares, começou a ser uma coisa colorida, fantasiosa. A Hasbro havia perdido a mão. Quem quer um soldado com uniforme verde flúor ou amarelo limão? 

O USS Flagg - O Porta-aviões do G.I. Joe
Os veículos até então tinham origem militar real, fosse de projetos, fosse de veículos homologados. Mas depois dessa época, se tornaram "futuristas" e coloridos, sem a preocupação prática com o uso militar e mais com a tendencia a chamar a atenção das crianças pelas cores. Os veículos ficaram toscos. Se em 1985 a Hasbro produziu e vendeu com sucesso o maior playset de brinquedo até então, o USS Flagg, o porta-aviões do G.I. Joe, com quase 2m de comprimento, agora tínhamos veículos vermelhos, amarelos, laranja, verde flúor e por aí afora. A coleção se descaracterizou e não atraia mais seu publico original. 

Em 1994 a Hasbro parou a produção. A Estrela foi pelo mesmo caminho entre 94 e 95. 

Teve uns comemorativos, mais voltados para os colecionadores em 97. 

Aí o mundo mudou novamente.

O 11 de setembro elevou o terrorismo a um novo nível. Os EUA começaram uma nova guerra, contra o terror. E The Real American Hero voltou. E não parou mais de ser produzido. 

Tivemos novas séries de desenhos. Dois longas metragens. Os quadrinhos, hoje, tem 4 linhas de publicação diferentes. 

O New Sculpt da linha 25Th Anniversary
Hoje as figuras são esbeltas, como ditam os novos padrões de beleza e saúde, com moldes diferenciados para os personagens de mair estatura ou musculosos e os personagens "normais". O new sculpt da coleção dos 25 anos de aniversário prevaleceu e se mantém. 

E eu ainda compro de todos eles. 

Que maldição. 

Que eu possa comprar G.I.Joe por mais 50 anos.