sábado, 17 de dezembro de 2016

Rogue One: Um conto de Guerra







Quem tem a minha idade e gosta de nerdice é um mentiroso se diz que não esperava por isso desde sempre. Quando descobrimos o universo expandido e quando imaginamos quando é que o George ia terminar de contar a história. E mais: quando é que iam contar as histórias por volta das história?


Agora temos uma realidade nova com Rogue One: Uma História de Star Wars, que estreou essa semana. E, claro, fui ver na pré-estréia da meia-noite. E, claro, finalmente, depois de anos, a Cinépolis conseguiu me vender um combo de pipoca porque eu tinha que ter uma Estrela da Morte na minha estante, mesmo meio mixuruca, de plástico. 

Mas o que vem a ser Rogue One?

Rogue One não se enquadra exatamente como um spin off, pois é uma história complementar. Conta como a Rebelião conseguiu os planos da primeira Estrela da Morte e o quanto isso foi custoso. Posterior ao filme original de 1977, sempre se imaginou, ou foi contado no universo expandido, que foi através da rede bothana de espionagem(o amigo Eric Klink me lembrou que a rede bothana descobriu a segunda Estrela da Morte, em O Retorno de Jedi). Mas isso nunca foi tão bem contado. Então resolveu-se que o novo cânone criado pela Disney poderia se aproveitar disso. E temos um filme sem jedis, sem Skywlakers e Kenobis. E só isso já nos deu uma premissa diferente. 


Então, primeiro alerta: se você é um daqueles fãs que gosta de Star Wars pela história clássica da jornada do herói e ama todas as coisas bobinhas que todos gostamos em Star Wars, esqueça: não tem muito da ingenuidade e maniqueísmo dos demais filmes. Não está tudo preto e branco, tem muito cinza sobre como agem os heróis e vilões, embora esteja claro quem nós devemos chamar de mau.

Segundo alerta: a linguagem do filme é moderna, como um videogame, veloz, com a aparência de que foram feito vários clips de filmagem colados em um ordem pra você entender. Dá uma ideia de história picada, com muitos planetas e muitas sequencias. Então é uma linguagem que pode agradar muito a juventude de hoje (e com certeza é feito para as novas gerações amarem) e pode ser corrido demais para quem não é um gamer. Não que isso prejudique o entendimento do filme, que é simples em sua premissa, embora cheio de metalinguagem para quem for procurar mais do a simples diversão. 


Terceiro alerta: é o mais militar dos filmes que levam Star Wars no título. Temos uma visão militar bem clara do Império em O Império Contra-Ataca, em evidente alusão à maneira como era militarista o nazismo alemão ou o fascismo italiano, ambos inspirados livremente no Império Romano. Mas poucas vezes vimos a Aliança Rebelde como uma organização militar, até pelo fato de sempre ter aquelas grandes reuniões onde todo mundo falava e dava opinião, como se fosse uma democracia. E militares não são democráticos, são ferramentas da democracia, mas não funcionam como uma. 


O filme tem vários problemas ao abraçar o conjunto desses alertas. Conquistar um público de Star Wars sem os personagens conhecidos mais conhecidos é fácil pois temos uma profusão midiática de Star Wars grande o suficiente para que os iniciados achem todas as referências espalhadas pelo filme, o que o torna uma ode ao fan service. Mas conquistar os outros já é mais complicado, ainda mais para apresentar uma leva de novos personagens. 

Nesse caso, Rogue One acerta e peca. Os personagens são apresentados um a um, como num game de RPG antigo onde vamos juntando nossa party em e para cada quest do jogo. Alguns personagens se apresentam e você os entende e simpatiza com eles e outros são apenas apresentados. Jyn Erso, vivida por Felicity Jones, deveria ser a cola do grupo, a heroína recrutada entre um grupo rebelde, talvez com agenda própria, mas não convence. Várias cenas em que imaginamos isso nos trailers não foram para a edição final e temos uma heroína relutante. 


O Cassian Andor de Diego Luna deveria ser o espião, o cara do serviço secreto pronto para matar quando ordenado, mentir, trapacear e conviver bem com isso. Mas também não convence muito. É como se faltasse uma cola ali. 


Mas aí temos uma novidade no cinema que é a apresentação dos sensitivos da Força, defensores do Templo Jedi que não eram jedis mas tem uma relação de fé com a Força, como monges, cuja missão não tem mais sentido numa galáxia sem os jedi, mas que não podem negar quem são, pois a Força ainda faz parte deles, pois a sentem. É o que vemos na ótima apresentação de Chirrut Îmwe (Donnie Yen), o monge cego, e Baze Malbus (Wen Jiang). Como não lembrar da Fúria Cega de Rutger Hauer ao ver Chirrut lutando com um bastão? O jeito bruto e largado de Malbus os torna uma dupla que evoca uma lembrança do jeito Terence Hill e Bud Spencer que demostra que eles tem um passado que, de uma forma ou outra, merece ser explorado. Com certeza eu iria ao cinema para ver um filme da história de origem desses dois, pois Star Wars e kung fu mostraram ser uma mistura tão boa quanto macarrão e molho.


Curioso que o personagem de quem mais gostamos é o androide K-2SO. Sem papas na língua, digo, sem controle de seu speaker, dizendo o que pensa, não é um blazé C3-PO, nem é uma pessimista como o Marvin, mas é dono das melhores tiradas do filme. Se os alívios cômicos da Marvel fossem como K-2SO os filmes dela seriam ainda melhores. Esse dróide imperial reprogramado nos conquista e nos faz pensar no que deu errado para não termos a mesma empatia com o restante do elenco. 


Me incomoda em Rogue One a mesma coisa que me incomodou no Episodio VII: tudo é imediato. Todos os planetas estão ali, do lado, como se o salto pelo hiperespaço fosse teletransporte. As viagens são instantâneas e ignoram as relações de tempo e espaço que sempre estiveram presentes, mesma na trilogia do Anakin. O esquadrão rebelde sobe no U-Fighter, segura nas barras e vai, como quem pega um metrô para ir ali, na próxima estação. 


Mas nem tudo isso de ruim deixa o filme... ruim!

O filme é bom, funciona dentro da história fechada cuja continuação todos já devem saber. Embora seja o mais militar dos filme de Star Wars, não chega a ser um Resgate do Soldado Ryan, como já vi alguns compararem. Está longe de ter a violência gráfica de um combate terrestre como o mostrado no filme do Spielberg. Mostra as coisas duras que se tem que fazer em uma guerra, e por isso não tem a mesma inocência dos outros filmes, tem a dose de sacrifício que se tem que ter em combate e consegue passar o sentido de urgência de várias ações. Não foi a toa que os figurante que fazem as tropas da Aliança são todos militares da reserva. São soldados de verdade. 


Também lida com as questões políticas, como o fato de a Rebelião ter facções, como mostra a relação deles com Saw Guerrera (Forrest Whitaker), um extremista na luta conta o Império cujo jeito de lutar até afasta mundos que poderiam fazer parte da Aliança, como vimos acontecer com dissidentes do IRA e do ETA, e vemos hoje nos diversos grupos rebeldes na Síria. Mesmo o Império mandando mensagens de paz e proteção nas ruas de Jedha ao mesmo tempo em que troopers revistam e empurram cidadãos nos lembram de como estado totalitários tratam aqueles sob sua proteção, aqueles a quem dominam e oprimem. Vimos isso com nazistas e fascistas e mesmo hoje vemos em qualquer lugar onde há luta contra insurgentes. 


Talvez o maior choque seja ver que a Aliança também toma para si a espionagem, o assassinato. O General Sherman, durante a Guerra Civil dos Estados Unidos, disse "Guerra é crueldade, e você não pode refina-la." e o filme nos faz pensar sobre onde estava toda a guerra nos filmes que já vimos, já que parecia tudo mais cavalheiresco ou, como já ouvimos, fruto de tempos mais civilizados. 

O vilão não parece mais tão tenebroso quanto nos trailers. mas ainda é um vilão. Ganancioso, buscando os favores do Imperador, busca crescer na estrutura do Império, da mesma forma que sabemos que se fazia na estrutura do governo nazista, onde mérito era mais dentro da eficiência bajulatória. O Diretor Orson Krennic (Ben Mendelsohn) não chega a ser um Hans Landa, mas tem seu quê de manipulador, mas perde para a presença do nosso velho Moff Tarkin, aqui apresentado num CGI que deve funcionar melhor na televisão, mas não é pior do que outras coisas que já vi. No fim não é exatamente um vilão que se precisa realmente sobrepujar, ele está lá apenas porque precisamos de alguém para torcer contra. 




Nesse ponto de vista, vemos um Império que começa a sofrer com a estrutura de qualquer estado totalitário expansionista: uma estrutura corrupta, dominada pelo medo cujos conflitos internos podem levar à entropia pelo simples fato de que os objetivos individuas conflitam com a necessidade do trabalho conjunto. O primeiro texto deste blog trata exatamente da questão da entropia dos impérios com base na mini-série em quadrinhos do Gavião Negro, escrita pelo Tim Truman. (Veja aqui

Mas a grande surpresa são as aparições de Darth Vader. Não sei dizer se eu esperava mais ou menos Vader na tela, mas são grandes momentos do filme. Lembrar que Vader, pela literatura, se tornou o segundo ser mais rico da galáxia e isso lhe permitiu ter um castelo próprio no planeta Mustafar é um deleite para os fãs. Mas ver o próprio em ação com seu sabre, como nos acostumamos a ver nos quadrinhos, é maravilhoso. Quase vale o filme todo. 


E me faz lembrar da sequencia dos quadrinhos, quando ele está cercado por um grande grupo de rebeldes e ouve "renda-se, você está cercado" e responde imediatamente "estou cercado por homens mortos" só para minutos depois andar entre cadáveres. 

Na verdade, eu quase entendo como genuíno o medo no rosto dos soldados quando se encontram com Vader. 

Eu recomendo, muito, que veja o filme, mas com senso crítico. E veja os demais filmes para se ambientar e perceber os services. Não é o melhor filme de Star Wars, como já vi gente comentando. Dizer isso é desmerecer o Império Contra-Ataca e outros que nos fizeram amar esse universo. É um filme com alguns problemas de roteiro e desenvolvimento de personagens, com um ritmo picado de videogame e cujo objetivo pode ser vender bonequinhos e navinhas; mas é um filme bom que cumpre o que se propõe: contar uma história de Star Wars. 



A tempo: o filme conta, finalmente, porque diabos uma estação bélica do tamanho de um planetóide tinha uma falha estrutural tão grave quanto um duto de ventilação com uma entrada do tamanho de um rato womp e que levava direto ao reator sem blindagem, pronta para ser destruída por um par de torpedos. Olha o culpado aí: