domingo, 31 de agosto de 2014

Lucy





Já avisei antes, e aviso novamente: se não viu o filme e não quer spoilers, NÃO LEIA!!!!
Ah... e se você ainda não viu 2001... ah... faz favor... o filme é 1969 é clássico... não reclame de eu contar dele.

Agora que já fiz minha parte avisando...

Acabo de sair da sessão do novo filme do Luc Besson, Lucy, (França, 2014, 89 minutos) e duas coisas precisam ser ditas:

1 - É divertido. Foi feito pra isso. Esqueça a pseudo-ciência e os furos do roteiro e os questionamentos. Eu não vou falar dos defeitos do filme hoje. Apenas assista e se divirta que o filme funciona.
2 - Se você leu bastante e viu muitos filmes do gênero, vai perceber praticamente todas as referências que formam a colagem do filme. Não, a ideia não é original. Mas pelo resultado, quem liga?

Bom, pela sinopse primeiro:

"Quando a inocente jovem Lucy (Scarlett Johansson) aceita transportar drogas dentro do seu estômago, ela não conhece muito bem os riscos que corre. Por acaso, ela acaba absorvendo as drogas, e um efeito inesperado acontece: Lucy ganha poderes sobre-humanos, incluindo a telecinesia, a ausência de dor e a capacidade de adquirir conhecimento instantaneamente."

Explicando: a periguete Lucy, estadunidense residente em Taywan (nem pergunte pq ela está lá...), é meio que obrigada pelo peguete dela a levar uma valise para um bam bam bam de alguma empresa. Mas já no hall do hotel o cara é baleado e ela é lavada para o apartamento e obrigada a ser mula para transportar um droga sintética experimental. Aí já sabemos que o cara é um traficante. Dã. Quando está em trânsito para embarcar no avião, é espancada e a droga colocada cirurgicamente em seu corpo vasa e vai para a corrente sanguínea, o que leva a uma aceleração de seu metabolismo e da atividade cerebral. Paralelo a isso, a cereja do filme: Morgan Freeman com um doutor pesquisador/cientista fazendo uma apresentação científica sobre a capacidade cerebral humana, nosso uso de apenas 10% e o "e se..." pudêssemos usar 20%, 30%, 40% de nosso cérebro? 

Outra grande sacada:o filme todo vai apresentando cenas do tipo Vida Selvagem, para dar o quê de evolução, intercaladas com as cenas principais como apoio narrativo, como na sequencia em que Lucy é pega pelos capangas do Sr. Jang e acompanhada das cenas de um guepardo capturando um antílope. 

Do momento da assimilação da droga para diante, temos sequencias de ação somente para mostrar que o próximo estágio da evolução pode ser cruel com os humanos normais. 

Aí temos o paralelo que filmes e quadrinhos dos X-Men tanto mostram: o homo sapiens ameaçado pelo homo superior, da mesma forma que o homo sapiens ameaçou e eliminou os homo neanderthalensis. A evolução dando seu passo. O novo pronto pra substituir o velho. O acesso de Lucy à rede de telecom e o discurso de Freeman sobre o momento em que começamos a nos mover e comunicar dá um paralelo com o seriado, infelizmente cancelado, Intelligence, exibido no Canal AXN, do homem ligado à rede, o ser humano conectado à grade, a fusão de homem e máquina. 

Daí por diante vemos nossa Lucy passando pelos estágios de Jean Grey à Fênix, com traços de Mística e um pouco de Forge. E você começa a pensar em como será quando ela chegar aos 100% do uso do cérebro. E pensa no Dr. Manhattan. Será que ela vai ficar azul? A droga sintética usada é azul... 

Telecinese, telepatia, tecnopatia, controle de campo magnético e campos elétricos... se bem que ao lembramos que as quatro forças primordiais da natureza são gravidade, eletricidade e as duas nucleares, fraca e forte, controlar qualquer desses aspectos já gerou heróis e vilões fenomenais. Magneto controla apenas um aspecto da eletrodinâmica. Graviton controla toda a gravidade. Dr Manhattan controla todos. 
Magneto, o mestre do magnetismo
Graviton

Dr. Manhattan
Cinematograficamente, o filme bebe, nitidamente, de 2001: Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space Odissey, EUA, 968, 160 minutos). Mais no livro que no filme, mas bebe. A transcendência da consciência humana ao dar o próximo passo evolucionário é descrita no livro de forma tão clara e aproveitada em uma sequência de volta no tempo, passando eras, até Lucy se encontrar com sua xará, a Lucy, um dos fósseis hominídeos mais famosos por serem dos primeiros a confirmadamente andarem eretos. 
2001: O monólito e os primatas 

O encontro das duas Lucys é quase o encontro dos hominídeos de 2001 com o monólito negro, mas remonta também ao afresco da Capela Sistina de Michelangelo, da Criação de Adão,  de Deus e Adão a tocar as pontas dos dedos, momento de encontro do divino com o mundano, de criador e criatura, e ficamos imaginando se a nossa Lucy moderna ira intervir com a Lucy de 3 milhões de anos da mesma forma que o monólito negro interfere com os hominídeos de 2001. Mas a viagem prossegue (e ver Lucy voltando o tempo como quem usa um Kinect é até legal) e o tempo vai voltando, o relevo mudando, chegamos aos dinossauros e depois mais para trás, para fase antes do resfriamento da terra, antes da colisão de planetas que os cientistas dizem nos formou e criou nossa Lua. E vamos voltando até um momento que é um Big Bang ao inverso e um momento onde há somente matéria escura. E curiosamente tem a mesma aparência da matéria escura tratada no novo longa do Capitão Harlock. 

A Criação de Adão

Nesse momento já caminhamos para o final e já percebemos um paralelo com O Passageiro do Futuro (The Lawnmower Man, EUA, 1992, 107 minutos), outro filme que tenta passar a transcendência do humano, mas dessa vez para a máquina, não para um outro nível. No final, Lucy absorver todos os computadores e eletrônicos da sala da Universidade onde está tentando passar para os cientistas seu conhecimento adquirido e cria um novo e assombroso computador, mais uma vez preto e brilhante, formado de obeliscos piramidais, que deixam ainda mais claro seu parentesco com o monólito negro de 2001, e logo a seguir ela mesma se tornar matéria negra e brilhante, ela mesma se tornar o monólito e, para no final, estender um pendrive negro, pontilhado de estrelas, que conteria tudo o que ela aprendeu. Sim, temos um pen drive cósmico, com um fundo de aparência muito similar ao da entidade cósmica Eternidade, usada em várias histórias da Marvel. E assim, a metáfora do conhecimento repassado imita o repasse do conhecimento do monólito de 2001 para os primatas.

Eternidade

Infelizmente, o final meio que decepciona, pois Lucy desaparece e, quando o policial francês pergunta onde ela está, recebe uma mensagem de texto no celular: eu estou em todo lugar. 

Mais passageiro do futuro do que isso, só se todos os telefones do mundo tocassem ao mesmo tempo.

Mas ela transcende. No livro 2001: Uma Odisseia no Espaço, o momento de transcendência de David Bowman o eleva a uma consciência universal superior de tal forma que ele volta a terra e ao ser recebido, ainda criança cósmica, com mísseis nucleares que para ele nada representam. E o questionamento. 

"Ali, à sua frente, como um brinquedo reluzente ao quyal nenhuma Criança-Estrela podeira resistir, flutuava o planeta Terra, com todos os seus povos.
Ele havia voltado no tempo. Lá embaixo, naquele globo super-povoado, os alarmes estariam piscando nas telas de radar, os grande telescópios de rastreamento estariam vasculhando os céus - e a história como os homens a conheciam chegaria ao fim. 
Mil e quinhentos quilômetros abaixo, ele se deu conta de que uma carga de morte havia acordado e estava se movendo lentamente em sua órbita. As fracas energias que ela continha não eram ameaça possível para ele, mas ele preferia um céu mais limpo. Fez valer a sua vontade, e os megatons em órbita desabrocharam numa detonação silenciosa que trouxe uma aurora breve e falsa para metade do globo adormecido. 
Então esperou, organizando seus pensamentos e meditando sobre seus poderes ainda não testados. Pois, embora fosse senhor do mundo, ele ainda não sabia ao certo o que fazer em seguida.
Mas pensaria em algo."
- 2001: Uma odisseia no Espaço, Cap. 47 - Criança-Estrela, de Arthur C. Clarke.

O filme acaba sem sabermos o que Lucy fará, agora transcendida. Agora primeira de uma nova espécie, uma consciência que foi além da matéria. O David Bowman de Clarke voltou para ser senhor do mundo. Lucy, deixa um pen drive cósmico com conhecimento. 

Antes de jogar pedras em Clarke, lembre que ele foi uma das grandes mentes com século XX, mas ainda era uma mente do século XX. O homem que criou o conceito de órbita geoestacionária que possibilita a você, dono de um celular ou tablet, de um notebook ou desktop, falar com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo, ainda via o mundo como os olhos do bipolarismo da Guerra Fria. Mas isso não desmerece sua obra. Mesmo assim, o homem era otimista. 


Lucy é ótimo para consumir uma quantidade enorme de pipoca e refrigerante enquanto você o assiste. Não é pra ser levado a sério. Mas que deixa alguma coisa pra se pensar, deixa. 

Para saber mais das 4 forças fundamentais de acordo com a física, clique aí... 

Para saber mais sobre a Lucy fóssil, clique aí...




Nenhum comentário:

Postar um comentário